Topo

Obesidade não é escolha. É doença crônica

Cintia Cercato

01/02/2019 04h00

Crédito: iStock

A prevalência de obesidade é crescente em praticamente todo o mundo. Uma estimativa recente indica que, a cada ano, 42% da população mundial faz alguma tentativa para emagrecer. Esse número realmente impressiona. Mas o grande problema é que mesmo tendo atingido sucesso na perda de peso, a maioria das pessoas acaba reganhando o peso ao longo do tempo, e somente uma pequena minoria consegue manter o peso pelos próximos anos.

Uma revisão de várias pesquisas indicou que mais de 50% do peso é recuperado após dois anos e que mais de 75% do peso é recuperado ao longo de cinco anos. A recuperação do peso ocorre tanto após tratamento com mudança de estilo de vida (dieta aliada a exercícios), mas também com tratamentos mais invasivos como cirurgia bariátrica.

E por que é tão difícil emagrecer de uma vez por todas? Uma das razões é não encarar a obesidade como uma doença crônica e como tal, uma condição que necessita de tratamento contínuo. Assim como diabetes, pressão alta e colesterol alto, que exigem tratamento pela vida toda, a obesidade também precisa ser tratada de forma contínua, independente da modalidade de tratamento indicada (mudança de estilo de vida, remédios ou cirurgia).

Infelizmente, existe muito estigma em torno do tratamento da obesidade. Muitos acreditam erroneamente que o problema está na "força de vontade". Mas obesidade não é uma escolha.

Existem mecanismos complexos que regulam o apetite e o metabolismo e acabam por impactar diretamente no peso do indivíduo. Só para dar um exemplo, estudos com ressonância magnética funcional trouxeram muitas contribuições para o entendimento de como o cérebro de quem sofre com obesidade funciona diferente daqueles que tem peso normal. Ao visualizar um alimento mais calórico, rico em açúcar e gordura o cérebro de quem tem obesidade ativa de maneira muito mais intensa uma região cerebral envolvida em prazer e recompensa, aumentando a motivação para comer. Isso faz com que a pessoa, mesmo antes de comer, só ao visualizar aquele prato gostoso, tenha uma vontade bem maior de comer e menor controle sobre a escolha do que comer.

Os mesmos estudos mostram também que quando a ressonância é realizada durante o consumo desse alimento tão desejado, a ativação de áreas envolvidas com prazer é bem menor que aquela vista em pessoas de peso normal. Portanto, o que esses estudos mostraram é que o prazer esperado antes de comer não é o obtido durante o consumo, levando com que a pessoa coma mais.

Mas esse é apenas um exemplo. Existem pessoas que sofrem com obesidade e não comem errado ou em grande quantidade. O metabolismo é diferente. A capacidade de obter energia vinda dos alimentos é muito eficiente e faz com que a pessoa tenha bem mais facilidade de estocar gordura. Isso tem um componente genético muito forte.

Além disso, algumas pessoas têm muita dificuldade de mobilizar os estoques de gordura. Chamamos de lipólise a quebra da gordura que está depositada. Pesquisas recentes têm demonstrado que algumas pessoas com obesidade têm esse mecanismo de lipólise muito ineficiente e, portanto, mesmo diante de uma dieta de baixas calorias, acaba tendo muita dificuldade para emagrecer.

É muito importante respeitar quem luta contra a obesidade. Não é uma questão de falta de força de vontade. É uma doença complexa. Cada vez mais a ciência comprova novos mecanismos que contribuem para o desenvolvimento do problema. Encarar que obesidade é doença crônica e que deve ser tratada de forma contínua é um primeiro passo que precisa ser dado.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Obesidade não é escolha. É doença crônica - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre a autora

Cintia Cercato é médica endocrinologista pela USP (Universidade de São Paulo), que se dedica à obesidade desde que defendeu doutorado nessa área em 2004. É a professora responsável por essa disciplina na pós-graduação da Faculdade de Medicina da USP, onde desenvolve várias pesquisas sobre o tema. Foi presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e atualmente é diretora do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
- Site: www.cintiacercato.com.br
- Facebook: https://www.facebook.com/dracintiacercato/
- Instagram: https://www.instagram.com/cintiacercato/
- Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCbLI7AXyq3G2pyNDEL7zuvg

Sobre o blog

Este é um espaço com conteúdos relevantes sobre controle do peso, dieta, estilo de vida e tratamento da obesidade. Todas as publicações têm como base a melhor evidência científica disponível, garantindo informações de credibilidade.

Mais Posts