Uso de remédio para emagrecer ainda é visto com preconceito
Cintia Cercato
17/01/2020 04h00
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A obesidade é uma doença complexa em que múltiplos fatores favorecem o ganho de peso. Além disso, causa ou agrava uma série de condições como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, osteoartrose, esteatose hepática, apneia do sono e tantas outras doenças. Mas apesar disso, o tratamento da obesidade com medicamentos, como em qualquer outra doença crônica, é visto como sendo desnecessário. Sempre ouvimos a velha frase: "É só fechar a boca" e o obeso sempre é visto como alguém preguiçoso e sem força de vontade. Fica evidente o preconceito que essas pessoas sofrem. Isso mostra o quanto a sociedade e até muitos profissionais da área de saúde desconhecem as bases fisiopatológicas da doença.
A regulação do apetite é complicada e para uma pessoa com obesidade é muito mais difícil dizer "não, obrigada" para aquela sobremesa super calórica, mesmo sabendo que precisaria perder peso e que deveria escolher algo mais leve. Isso porque existe uma região no nosso cérebro responsável pela nossa tomada de decisão. Devo ou não devo comer? Uma região que faz o controle inibitório do nosso comer por prazer. Estudos utilizando ressonância funcional já demonstraram que quanto maior o índice de massa corpórea, menor é a atividade metabólica dessa região cerebral. Assim, fica muito mais difícil aderir a orientações de dieta.
Outros pontos envolvidos na regulação do apetite também não atuam como deveriam. Os sinais de saciedade vindos do nosso trato gastrointestinal que avisam ao cérebro que estamos adequadamente alimentados são menos produzidos em pessoas com obesidade. Sem essa sinalização adequada, come-se mais, e certamente isso não tem nada a ver com gula. Aquela sensação de plenitude que todos sentimos depois da refeição, em que a fome foi vencida, demora mais para acontecer. Além disso, muitos outros fatores também podem afetar o comportamento alimentar. Parar de comer é muito mais complicado do que se imagina.
A base do tratamento da obesidade é a mudança de estilo de vida. Comer menos e gastar mais calorias. Todos sabem disso. Mas diante de um sistema de controle do apetite que funciona de maneira inadequada em quem tem obesidade, dá para entender por que é tão difícil emagrecer. E dizer que é "só fechar a boca" dói muito para quem precisa eliminar vários quilos na balança. Daí o papel do medicamento. Ele não vai eliminar a necessidade de reduzir o consumo alimentar, de ter orientações da nutricionista, mas pode ajudar pessoas com obesidade a conseguir seguir melhor as orientações, por controlar um pouco a fome ou o desejo constante pela comida. Infelizmente ainda existe muito estigma quando falamos em remédio para emagrecer, mas precisamos discutir esse tema de forma mais científica e com menos preconceito.
Sobre a autora
Cintia Cercato é médica endocrinologista pela USP (Universidade de São Paulo), que se dedica à obesidade desde que defendeu doutorado nessa área em 2004. É a professora responsável por essa disciplina na pós-graduação da Faculdade de Medicina da USP, onde desenvolve várias pesquisas sobre o tema. Foi presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e atualmente é diretora do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
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