Fique atento ao 'comer emocional' em tempos de quarentena
Cintia Cercato
24/04/2020 04h00
iStock
Estamos vivendo uma fase muito complicada, em que a quarentena afeta diretamente nosso humor. Sensação de medo, angústia, ansiedade, ou mesmo a mudança radical da rotina que pode nos deixar entediados. E como tudo isso pode afetar nossas escolhas alimentares?
Já é bem conhecida a relação entre emoções e hábitos alimentares. Nosso estado emocional influencia a quantidade e qualidade do que comemos, e o consumo alimentar por sua vez tem consequências afetivas influenciando nossas escolhas subsequentes.
Quando estudamos o comportamento alimentar existe um padrão chamado comer emocional, que se refere a busca alimentar desencadeada por emoções negativas. Observar o comportamento pode dar algumas pistas de que isso pode estar acontecendo: "Quando me sinto ansioso, me pego comendo", "Quando me sinto triste, como demais" e/ou "Quando me sinto sozinho, me consolo comendo".
Muitas pesquisas experimentais mostram que quando uma pessoa é exposta a emoções negativas (como por exemplo assistir a um filme triste) ela tende a comer alimentos mais ricos em calorias comparadas a situações emocionalmente neutras. Assim, geralmente são buscados alimentos de alta palatabilidade, ricos em açúcar e gordura.
Um estudo realizado com mais de 400 pessoas procurou investigar durante 4 semanas o efeito dos aborrecimentos do dia a dia nas escolhas alimentares. Os participantes deveriam registrar os alimentos que comiam entre as refeições principais e estressores ou aborrecimentos experimentados naquele dia, bem como a intensidade deles.
A pesquisa apontou que os aborrecimentos foram relacionados com o aumento de consumo de lanches ricos em gordura e açúcar e redução de consumo de vegetais e de refeições principais, particularmente entre as mulheres que apresentavam obesidade. Assim, o comer emocional parece apresentar um padrão distinto de estrutura alimentar, em que as pessoas costumam ter refeições menores e mais frequentes, com alto consumo de lanches ao longo do dia.
Existem duas situações muito associadas com o aumento desse comportamento de comer emocional: sono de má qualidade e depressão. Vale ressaltar que a depressão pode se apresentar de maneira heterogênea, na qual em alguns casos existe perda de apetite, mas em uma parcela dos casos, que pode chegar a 30%, pode existir aumento do apetite e ganho de peso.
Muitas pessoas nesse período de quarentena têm referido sono de pior qualidade e humor mais depressivo. Como consequência, aqueles mais suscetíveis a apresentar o comer emocional, podem evoluir com ganho de peso importante nesse período, além das complicações associadas à obesidade.
Um artigo publicado recentemente no European Journal Of Clinical Nutrition faz algumas recomendações nutricionais durante esse período de quarentena, buscando justamente abordar essa situação. Os autores aconselham que as pessoas devem consumir alimentos que promovam maior síntese de serotonina ("hormônio do bem estar") e melatonina ( "hormônio do sono") durante o jantar. Sugerem, por exemplo, o consumo de aveia, bananas, amêndoas, leite e derivados. Claro que são apenas sugestões e não temos evidências de que tal conduta afetará o comportamento.
Mas sabemos que atividade física regular melhora nossas escolhas alimentares relacionadas ao estresse e, portanto, o exercício não pode ser esquecido durante a quarentena.
Pensando em longo prazo, se identificar que tem o comportamento de comer emocional, vale a pena desenvolver habilidades para tolerar melhor situações estressantes, e isso pode ser aprendido e aprimorado com terapia cognitivo comportamental, por exemplo.
E vale muito a pena pensar no futuro, pois uma hora a pandemia vai passar, mas os estressores e aborrecimentos que permeiam a nossa vida sempre vão estar presentes, e precisamos saber lidar com eles!
Sobre a autora
Cintia Cercato é médica endocrinologista pela USP (Universidade de São Paulo), que se dedica à obesidade desde que defendeu doutorado nessa área em 2004. É a professora responsável por essa disciplina na pós-graduação da Faculdade de Medicina da USP, onde desenvolve várias pesquisas sobre o tema. Foi presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e atualmente é diretora do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
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